sábado, 15 de novembro de 2008

Discrição, a moderadora das virtudes

J.M. + J.T.

Olá!

Gostaria de trazer hoje para nossa reflexão o parágrafo 22 da Regra do Carmelo. Após explicar os princípios fundamentais da vida dos frades carmelitas, o autor da Regra traz o seguinte conselho:

"Se alguém estiver disposto a fazer mais, o Senhor mesmo, quando voltar, o recompensará (cf. Lc 10,35). Aja-se, contudo, com discrição (cf. Pr 19,2), que é a moderadora das virtudes."

Muitas vezes em nossa vida acabamos pautando nossas virtudes pelos valores mínimos. Costumamos, por exemplo, dizer que os Carmelitas têm que rezar diariamente as três Ave-Marias do Escapulário, ou que os católicos devem ir à Missa todos os domingos, mas esquecemos de falar que não somos proibidos de fazer mais do que isso. É disso que esse parágrafo da regra está falando: será que estamos vivendo as virtudes no limite máximo que conseguimos, ou estamos fazendo só aquilo que é de obrigação?

Quem faz o mínimo, não está errado, mas todos fazem a mesma coisa. Se quisermos ser santos, e esse é o objetivo de toda espiritualidade, precisamos fazer algo que nos destaque dos demais. Podemos, por exemplo, lembrar que Jesus perguntou a Pedro se ele O amava mais do que os demais (cf. Jo 21,15). Para a grande missão que estava reservada a Pedro, o amor comum não bastaria, ele precisava ter um sentimento especial por Jesus. E com todos os santos foi assim.

Mas por outro lado, existe também o perigo do "exagero" das virtudes. Claro, virtudes puras nunca são exageradas, mas podemos acabar misturando as coisas. Por exemplo, eu posso imaginar que a oração é uma virtude tão importante que resolvo dedicar a ela todo o tempo que tenho. Com isso, acabo não estudando, não fazendo minhas tarefas adequadamente, nem tendo um relacionamento decente com minha família e meus amigos. Obviamente a falha não está na virtude da oração, mas na minha maneira de vivê-la. Por isso Santo Alberto recomenda a discrição, que segundo ele é a moderadora das virtudes.

Discrição significa que não podemos nos dedicar a uma única virtude, esquecendo o nosso modo próprio de vida, como leigos. Precisamos nos dedicar à oração, à caridade, à humildade, etc. Discrição pode também ser entendida como bom-senso: uma dessas virtudes não pode prejudicar às demais, senão ela não é uma virtude sincera.

Ainda há um aspecto sobre a vivência das virtudes que precisamos olhar com cuidado. Cada um de nós tem uma maneira de viver cada virtude, e não podemos julgar os outros de acordo com o que é bom para nós. Por exemplo, se alguém costuma rezar diariamente o Rosário inteiro, não tem o direito de desprezar quem reza apenas uma dezena. O importante é que cada um se esforce ao máximo nas suas virtudes, mas não há um parâmetro que sirva para todos. Aqui cabe o exemplo das taças, que aparece na História de uma Alma, de Santa Teresinha: cada um de nós tem um copo de um tamanho, uns maiores, outros menos. O importante é que cada um procure encher o seu copo, sem se preocupar em compará-lo com os copos dos outros.

Que durante essa semana possamos olhar nossa vida de maneira crítica, percebendo os pontos onde podemos nos dedicar um pouco mais, e construindo a cada dia esse amor especial por Cristo e sua Igreja!

Um grande abraço, e uma boa semana a todos.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Abandono nas mãos de Deus

J.M. + J.T.

Olá, pessoal!

Esses dias eu estava conversando com uma amiga que está se formando comigo. Partilhávamos um pouco dos medos e anseios que estamos vivendo, com a proximidade da formatura e as incertezas para o próximo ano. Então, encontrei essa oração escrita por um frade trapista, chamado Thomas Merton, falando sobre o abandono nas mãos de Deus, e gostaria de partilhar com vocês:


Senhor Deus,
Não tenho a menor idéia de para onde estou indo,
Não enxergo o caminho à minha frente,
Não sei ao certo onde irá dar esse caminho.
Também não conheço verdadeiramente a mim mesmo,
E o fato de que penso que estou seguindo a Tua vontade
Não significa que realmente esteja seguindo a Tua vontade.
Mas acredito que o meu desejo de Te agradar
Realmente Te agrada.
E espero ter esse desejo em tudo o que fizer,
Espero nunca me afastar desse desejo.
Sei que, se assim o fizer,
Tu me guiarás pelo caminho correto
Embora eu possa nem saber que o estou trilhando.
Assim, confiarei sempre em Ti
Embora eu pareça estar perdido
E caminhando na sombra da morte.
E não temerei, porque Tu estás sempre comigo
E nunca deixarás que eu enfrente os perigos sozinho.

(Thomas Merton, Na Liberdade da Solidão)



Abandonar-se nas mãos de Deus é um desafio... Nas horas de dúvidas, medos e incertezas, muitas vezes acabamos nos sentindo sozinhos, e esquecemos que se Deus partilha de nossa vida, Ele participa também desses sentimentos ruins. Aliás, o próprio Cristo deve ter se sentido assim durante sua vida terrena muitas vezes. Então fica o convite a entregar tudo nas mãos de Deus, e ter essa confiança cega que os santos têm em Deus.

Um abraço a todos!

Correção Fraterna

J.M. + J.T.

Olá, pessoal!

No parágrafo 13 da Regra do Carmo, encontramos um tema bastante delicado: a correção fraterna dos irmãos. O texto diz assim:

"Assim também nos domingos ou em outros dias se for necessário, reuni-vos para tratar da observância na vida comunitária e do bem espiritual das pessoas. Nesta ocasião, corrijam-se com caridade as transgressões e as culpas que forem encontradas em algum dos irmãos".

Para compreendermos corretamente esse texto, precisamos primeiramente lembrar que os monges formavam uma comunidade muito unida, e que tudo em sua vida tinha como objetivo ao crescimento comum. Por isso a regra fala em "bem espiritual das pessoas", ou seja, crescimento espiritual de toda a comunidade. O crescimento de um frade leva ao crescimento de todos, e o pecado de um também pertence a todos: essa é a comunhão dos santos, de que São Paulo fala em suas cartas, e que rezamos no Creio.

Nós, leigos, também temos a vocação da vida em comunidade: seja nos grupos de jovens, grupos de oração, ou na comunidade paroquial. Assim, precisamos também ter essa percepção de que as falhas de um membro da comunidade acabam prejudicando ao grupo todo, e por isso precisamos ter coragem de nos corrigir uns aos outros. Mas é claro que também precisamos ter humildade de aceitar quando somos corrigidos.

Jesus dá pelo menos dois ensinamentos importantes sobre a correção. O primeiro é que antes de olhar as falhas dos outros devemos olhar para as nossas próprias. Isso é importante para que o discurso de quem corrige não seja vazio, mas tenha um sentido profundo. O outro é sobre a maneira de corrigir: Jesus diz que quando corrigimos e a pessoa não ouve, devemos buscar uma testemunha, e depois levar a situação aos anciãos. Isso é uma forma de dizer que não podemos usar a correção para humilhar ninguém ou para nos orgulhar: as testemunhas e os anciãos servem tanto para observar a postura de quem corrige como de quem ouve.

Sabemos que a correção é um verdadeiro desafio, mas precisamos dela para que nossa comunidade possa crescer. Acima de tudo, não podemos fingir que não vemos as falhas dos outros, pois seria omissão. Mas também devemos cuidar muito antes de sair por aí apontando as falhas das pessoas, pois podemos estar sendo motivamos por orgulho ou vontade de humilhar os outros. Acima de tudo, a correção deve ser motivada pela caridade e pelo desejo sincero de crescimento espiritual de nossa comunidade. Como nas outras dicas do Evangelho, a oração deve nos guiar nesse caminho, mostrando sempre como proceder em cada situação.

Que o exemplo dos monges primitivos nos ensine a perceber que ninguém caminha sozinho na vida espíritual e que somente comunidades fortes e unidas podem levar ao crescimento individual de seus membros.

Um grande abraço, e uma boa semana a todos!